director de la revista electrónica Cronópios, comparte con los lectores de La Otra, sus aproximaciones a un tema como es el mestizaje racial y al cultural, al mestizaje que se da en la Red. Pero, lejos de lo que muchos piensan, Brasil no se reconoce mestizo. Aquí también sus poemas.
Meticcio, 1934, de Cândido Torquato Portinari (Brodowski, Brasil, 1903 – Rio de Janeiro, 1962).
A consciência é individual, mas o pensamento é coletivo
Por Edson Cruz
Em minha certidão de nascimento, desde sempre, me chamou à atenção a denominação de que eu sou pardo. O que isso significa? Nenhuma professora, ou professor, que tenha passado por minha vida soube responder a contento essa questão. Depois, ouvi um monte de nomes gostosamente esquisitos e nem por isso mais compreensíveis: cafuso, mameluco, mamaluco, caboclo, mulato, e o que mais gostava – curiboca. Nos primeiros contatos com a literatura descobri com Jorge Amado que Dona-Flor era cabo-verde, uma mistura bem brasileira de branco com negro e índio. Isso, mais tarde vim saber, fazia parte do caldo denominado «o fenômeno da mestiçagem». Nome pomposo para algo que meu conterrâneo grapiúna mostrava em seus romances sem catalogar e que nos soava tão natural. Claro, só poderíamos ser isso mesmo: mestiços. E por que não? Aliás, passei a adorar o figuraça Darcy Ribeiro (que adorava papar uma mestiçazinha in natura) quando ele afirmou categoricamente: «Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades.»
Não sei se é verdade, mas que é um belo ideal não tenho dúvidas. E eu estou com ele. A mestiçagem é sempre mais alegre, embora sofrida. E a alegria é sempre a prova dos nove, da vitória.
Ao contrário do que diziam os geneticistas arianos (e vamos tornar isso extensivo aos lingüistas e sociólogos também) quanto mais mestiço melhor, mais forte, mais adaptável, mais rico, com mais ginga e sonoridade – que é uma característica da pujança da vida. Salve os antropólogos. Eles que nos deram à luz. E ela iluminou a literatura e essa aventura cultural que nos incluímos todos.
A arte da contraconquista sugerida por Lezama Lima imiscui-se em todos os campos. A língua é fundamental para essa retomada. Ou melhor, as línguas e suas variantes sonoras e semânticas. Ela tem, agora, um grande aliado: a web.
Com a internet as últimas fronteiras serão dominadas. Não, ainda não está tudo dominado. O processo ainda é lento, não chega a acompanhar a velocidade dos bits emitidos. Mas a potencialidade é animadora. As literaturas e seus autores já travam diálogos e intercâmbios por emeios e sítios distribuídos na net.
Sítios como o brasileiro Cronópios (que carrega em seu nome o diálogo com a hispano-américa) já possuem, em seu corpo de colaboradores, autores do México, de Angola, do Uruguai, da Argentina, Venezuela e dos colonizadores Portugal e Espanha, publicando em suas respectivas línguas.
E o que dizer, então, do trabalho intensivo de diálogo da cearense-paulista Revista Agulha e sua maravilhosa Banda Hispânica e dossiês fundamentais.
Gosto muito, também, da ampla TriploV com suas presenças de África, apresentando-nos (a nós brasileiros) vários autores e temas que não costumam circular por este lado de alegres trópicos.
Venho acompanhando, com muito gosto, a revista mexicana de poesia Alforja que segundo seu editor, José Ángel Leyva, fechará as portas, melhor seria dizer, as janelas, em dezembro. Uma pena. Ela e a venezuelana Ala de Cuervo foram minhas referências para conhecer novos autores e outros não tão novos, porém, desconhecidos para mim.
O título deste artigo tirei de um livro do filósofo Pierre Lévy, As tecnologias da inteligência, que analisa como será o futuro do pensamento e da cultura nesta era de conexões virtuais. Não há mais retorno. O diálogo pela internet é a própria mestiçagem se configurando em âmbito mundial. Com os tradutores on-line (sim, ainda incipientes) e a «erudição de internet» se disseminando, e deuses trafegando em nossos emeios, nada restará intocado e sem ser apropriado.
Eventos como esta corajosa Bienal Internacional do Livro do Ceará não me deixam mentir sozinho. Os intercâmbios são e serão potencializados. Espero que se espalhem pelo Brasil, Áfricas, Portugais e hispano-américa afora.
No momento histórico em que a Casa Branca é conquistada pelo primeiro presidente negro, embora ele se autodefina mulato (ou será pardo?), faz-nos acreditar que o momento é esse. Ficou evidente o papel da internet para o sucesso da campanha. Com ela, e com o coração aberto ao diálogo, disposto a trilhar juntos a aventura desta mestiçagem podemos também gritar: sim, nós podemos! Como não?
Edson Cruz (1959). Escritor, editor, revisor e preparador de textos. Estuda Língua e Literatura Grega, Brasileira e Portuguesa na Universidade de São Paulo-USP. Editor do site de literatura www.cronopios.com.br e da revista literária Mnemozine. Foi palestrante em eventos literários no Uruguai e na Argentina, sempre falando sobre poesia, literatura na internet e literatura e novas mídias. Foi Curador do evento Cartografia Web Literária, em parceria com o SESC-Consolação, edição de 2008. Lançou em 2007, Sortilégio (poesia), pelo selo Demônio Negro.
Sortilégios da linguagem [poemas]
linguagem
outeiro criado de acúmulos
tegumentos enrijecidos
essências exteriorizadas
depósito antiqüíssimo de
coisas que não deterioram
plástico cheio de esperma
restos que não evaporam
interiores de madrepérola
coisas não transformadas em
objetos de adorno
palavras não específicas
lamelibrânquios lâmina
branca de sentidos
forno onde se calcina
a cal da memória
fábrica de desmundos
mijos de civilizações
sambaquis
tudo que o tempo não
esquece nem envaidece
lenguaje
otero creado de cúmulos
tegumentos enrigidecidos
esencias exteriorizadas
depósito antiquísimo
de cosas que no deterioran
plástico lleno de esperma
restos que no evaporan
interiores de madreperla
cosas no transformadas
en objetos de adorno
palabras no específicas
lamelibranquios
lámina de sentidos
horno donde se calcina
la cal de la memoria
fábrica de desmundos
meos de civilizaciones
sambaquis
todo lo que el tiempo
no olvida ni envanece
insígnia
habito
este mundo
ave do paraíso
sem pernas
rascunho
que não pousa
nunca
insignia
habito
este mundo
ave del paraíso
sin piernas
borrador
que no posa
nunca
lágrimas oceânicas
Ano Bom Arzila Ormuz Azamor
Ceuta Flores Agadir Safim
Tanger Acra Angola Mogador
Aguz Cabinda Cabo Verde Arguim
São Jorge da Mina Fernando Pó
Costa do Ouro Portuguesa Zanzibar
Melinde Mombaça Moçambique
Guiné Portuguesa Macassar
Quíloa São Tomé e Príncipe Mascate
Fortaleza de São João Baptista de Ajudá
Socotorá Ziguinchor Bahrain Paliacate
Alcácer-Ceguer Bandar Abbas Cisplatina
Ceilão Laquedivas Maldivas Baçaim
Calecute Cananor Chaul Chittagong
Cochim Cranganor Damão Bombaim
Dadrá e Nagar-Aveli Damão Mangalore
Diu Goa Hughli Nagapattinam
Coulão Thoothukudi Salsette Masulipatão
Surate Nagasaki Timor-Leste
São Tomé de Meliapore Mazagão
Malaca Molucas Guiana Francesa
Nova Colónia do Sacramento Bante
Macau
Brasil
Portugal
Oh sal que corrói a pele de nossas almas.
lágrimas oceánicas
Ano Bom Arzila Ormuz Azamor
Ceuta Flores Agadir Safim
Tanger Acra Angola Mogador
Aguz Cabinda Cabo Verde Arguim
São Jorge da Mina Fernando Pó
Costa do Ouro Portuguesa Zanzibar
Melinde Mombasa Mozambique
Guinea Portuguesa Macassar
Quíloa São Tomé y Príncipe Mascate
Fortaleza de São João Baptista de Ajudá
Socotorá Ziguinchor Bahrain Paliacate
Alcácer-Ceguer Bandar Abbas Cisplatina
Ceilão Laquedivas Maldivas Baçaim
Calecute Cananor Chaul Chittagong
Cochim Cranganor Damão Bombaim
Dadrá e Nagar-Aveli Damão Mangalore
Diu Goa Hughli Nagapattinam
Coulão Thoothukudi Salsette Masulipatão
Surate Nagasaki Timor-Leste
São Tomé de Meliapore Mazagão
Malaca Molucas Guayana Francesa
Nueva Colonia del Sacramento Bante
Brasil
Macao
Portugal,
Oh sal que corroe la piel de nuestras almas.
eu
um ser
atônito feito um deus
absorto
em meu rosto
gotas de um mar
morto
yo
un ser
atónito como un dios
absorto
en mi rostro
hay gotas de un mar
muerto
palimpsesto
toda poesia já
escrita
não se equipara
a toda poesia
inscrita
a poesia jaz
palimpsesto
toda poesía ya
escrita
no se equipara
a toda poesía
inscrita
la poesía yace
esmero
retocar a canção
chegar até
a imperfeição
de mero josé
a impossível joão
esmero
retocar la canción
llegar hasta
la imperfección
de simple josé
a imposible juan
mi menor
a solidão
Bashô
em mim
mi menor
una soledad
Bashô
en mí
templo
lá em casa
o menino Jesus
com os meninos
tinha caso
com as meninas
engatinhava
o menino Jesus
lá em casa
templo
allá en casa
el niño jesús
con los niños
tenía caso
con las niñas
gateaba
el niño jesús
allá en casa
tombo
anuros
de etimologia obscura
mergulhos
em tanques imundos
sapos coaxando ali
tudo à revelia de mim
apupos
n’alma
caída
anuros
de etimología oscura
zambullidas
en estanques inmundos
sapos croando allí
todo se rebela contra mí
injurias
en el alma
sopro
assim como não há
eu vejo
assim como não dá
ensejo
assim e só assim
desejo
soplo
así como no hay
yo veo
así como no da
oportunidad
así y sólo así
deseo
[Traduções de Adriana de Almeida e Luis Benitez]
EDSON CRUZ (1959). Nasceu em Ilhéus, Bahia, Brasil, terra do escritor Jorge Amado. Escritor, editor, revisor e preparador de textos. Estuda Letras na Universidade de São Paulo-USP e edita o site de literatura Cronópios (www.cronopios.com.br) e a revista literária Mnemozine (www.cronopios.com.br/mnemozine). Foi palestrante em eventos literários no Brasil, Uruguai e na Argentina, sempre falando sobre poesia, literatura na internet e literatura e novas mídias. Lançou em 2007, Sortilégio (poesia), pelo selo Demônio Negro. E-mail: sonartes@gmail.com
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