Jovino Santos Neto

jovino-santos-neto-1Floriano Martins conversa (en portugués) con este gran pianista que formó parte, durante 15 años, del grupo de Hermeto Pascoal.

 

 

 

 

 

A música livre de Jovino Santos Neto
Floriano Martins

 

 

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O pianista Jovino Santos Neto (Brasil, 1954) teve a graça de integrar o grupo do Hermeto Pascoal por 15 anos ininterruptos, o que inclui a gravação de oito discos. Não há melhor escola possível, não somente pelos conhecimentos adquiridos, mas essencialmente por este sentido máximo de entrega à música e à criação que caracteriza a obra de Hermeto e naturalmente a de todos os músicos que estiveram a seu lado e que hoje têm discos gravados, a exemplo de Carlos Malta e Itiberê Zwarg. Jovino vive em Seattle (EUA), desde 1993, ali criando uma editora de música, a Real Angle Music, e convivendo com músicos de várias partes do mundo. Vem cuidando atualmente de editar suas próprias músicas, além de haver publicado uma coletânea de 32 partituras de Hermeto Pascoal, de várias épocas.

 

FM A tua formação musical reflete um ambiente informal brasileiro ou tem alguma particularidade a ser destacada? Penso, por exemplo, nesta tua aproximação casual do piano, a rigor comprado pelos pais para tua irmã. É este o ponto inicial, não?

 

JSN Este é o ponto inicial do toque físico num instrumento, mas musicalmente eu vinha me formando a partir de tudo que compunha o universo sonoro da minha infância: marchinhas de carnaval, canções no rádio, Altamiro Carrilho, Jackson do Pandeiro e Tia Amélia na TV, toques de umbanda na casa vizinha etc.… Nesse ponto creio que essa formação não é muito diferente das outras pessoas da minha geração (1954) e da minha região (Zona Oeste do Rio).

 

FM Em uma entrevista mencionas, dentre as influências, Jackson do Pandeiro e King Crimson, o que é curioso, sobretudo pela ausência do piano como base nos dois exemplos. O que te chamava a atenção particularmente nestes dois casos?

 

JSN No caso do Jackson, um bom humor ao mesmo tempo malicioso e inocente, acoplado a um senso rítmico feroz. No King Crimson, uma acidez mordaz e a capacidade de ir do sublime ao infernal sem barreiras. O fato de não haver piano nessas gravações nem passou pelo minha cabeça…

 

FM Eu observo o imenso carinho que tens pelo Hermeto Pascoal, a maneira como falas que seu gênio um dia será reconhecido, e que a dimensão desta genialidade requer mesmo certo tempo para sua percepção. Eu penso em um exemplo aqui vizinho dos brasileiros, que é o Pablo Ziegler, que foi pianista do grupo do Astor Piazzolla. Imagino que o carinho que Pablo tem por Astor seja da mesma intensidade afetiva que tens por Hermeto. Contudo, Astor contou, em vida, com um reconhecimento internacional e mesmo argentino um pouco distinto daquele com que conta hoje Hermeto, pensemos em crítica ou público. E a Argentina sequer tem uma mesma tradição musical de projeção internacional como o Brasil. Como observas este tema?

 

JSN Esse é um assunto muito interessante, e eu sempre penso muito a respeito. Uma coisa que é sempre difícil de fazer é comparar 2 carreiras musicais tão diversas como o Piazzola e o Hermeto. Uma diferença marcante é que o Piazzola foi um músico genial que partindo de um estudo musical acadêmico como aluno de composição de Nadia Boulanger em Paris, retornou à Argentina e criou uma roupagem moderna para o tango, um estilo que já era muito popular em todo o mundo. Daí ele ampliou o seu leque de cores, escrevendo peças que hoje são tocadas por grupos de música de câmara etc.… Já o Hermeto, totalmente autodidata, albino e deficiente visual, saiu de um vilarejo no interior de Alagoas e foi construindo seu universo musical a partir de empregos em regionais, tocando tudo desde o forró até o jazz, samba, bossa nova, MPB. Se você examinar todos os movimentos musicais do Brasil a partir dos anos 50 – Beco das Garrafas no Rio, Bossa Nova, Samba jazz, os festivais de MPB, o Hermeto está presente em todos eles, não como um coadjuvante, mas como uma fonte de idéias e inspiração para todos os outros. Essa fonte de criatividade musical expandiu-se a partir dos anos 70 quando ele foi para os Estados Unidos e influenciou toda uma geração de gigantes do jazz, desde Miles Davis a Chick Corea, Gil Evans e Herbie Hancock. Para quem não conhece esse lado do Hermeto, essa afirmação parece pretensiosa, mas eu posso garantir que é verdade. Resumindo, eu acho que a falta de reconhecimento ao legado musical do Hermeto deve-se justamente ao fato de que é impossível enquadrá-lo dentro de um estilo, ou escaninho comercial. Sua obra é tão vasta que, como uma montanha muito alta, precisa de certo distanciamento para ser totalmente apreciada. Como você mencionou na sua pergunta, isso leva tempo.

 

FM O que a música te diz em termos de fortalecimento existencial? Não me refiro ao convívio habitual com o universo da música, sua agenda de shows, gravações, composição.

 

JSN A partir do momento em que o músico sério e dedicado se dá conta da natureza e da essência da música, isso passa a nortear sua vida assim como as outras forças do universo – tempo, gravidade, luz, espaço, karma. A música não é uma carreira, nem um emprego. Tampouco é um produto, um lazer ou uma comodidade. É um processo contínuo que segura as galáxias nos seus eixos, que diz qual é o ritmo da órbita dos planetas, que controla as reações químicas das enzimas e a evolução da vida. Tudo isso pode ser definido em função de ritmos, harmonias e sincronicidades. O que é isso, se não música? Quanto mais buscamos entender o cosmos, seja através da contemplação mística ou da física quântica, mais perto chegamos de conceitos aos quais os grandes músicos já chegaram há muito tempo.

 

FM Em algumas viagens pela América Hispânica, eu tenho observado a intimidade com que músicos locais falam da música brasileira. Não me refiro à canção, porque em geral eles são muito desinformados em relação ao empobrecimento atual da canção brasileira, ou melhor, têm dela uma informação cristalizada, quase mítica, de sua importância em um dado momento, que é mais da ordem sociológica do que estética. Ao contrário, não conhecemos quase nada da música hispano-americana, exceto o folclore acentuado por um Caetano Veloso como sendo uma resposta a este princípio de cristalização, digamos [sua incursão no cenário da canção popular internacional concorre com o catálogo do selo Putumayo]. Porém há músicos oriundos de Cuba, Argentina, México, Panamá, com seu valor e presença em um cenário internacional. Ouvimos a pior música dos Estados Unidos – a melhor é quase sempre uma incógnita para nós – e desconhecemos os países vizinhos. Tens algum comentário a este respeito?

 

JSN Tenho muitos amigos músicos que são cubanos, venezuelanos, argentinos, colombianos, porto-riquenhos, etc. Há um sentido de afinidade muito grande entre estas culturas musicais, em parte devido à língua espanhola que as une. Existe um debate muito acalorado por aqui (EUA) sobre música latina. Há os que dizem que a música brasileira deve ser vista como uma vertente separada, e outros que a vêem como um dos afluentes do grande rio Latino. Eu não tenho uma posição firme a respeito, pois consigo enxergar os dois pontos e ver o que eles têm de certo e de errado. A meu ver, o que é necessário é que todos os músicos, brasileiros ou não, consigam encarar a música de um ponto de vista (ou de escuta) supra-nacional, ou seja, por cima das fronteiras que nem sempre representam a diversidade e a riqueza das formas musicais.

 

FM De que maneira a idéia de “música livre” do Hermeto poderia ser entendida como uma relação aproximada do que André Breton defendia, em termos de Surrealismo, como um “livre pensamento integral”? Em uma conversa que tive com um dos integrantes do Grupo Surrealista de Chicago, falamos da proximidade de músicos como Hermeto e Frank Zappa do Surrealismo, uma relação insólita do ponto de vista das origens francesas do movimento, porque eram musicalmente surdos. Há muitos casos em que a imprensa refere-se a uma “filosofia Hermeto”. O que pensas a este respeito?

 

JSN Breton e os surrealistas pregavam um enfoque livre das restrições da percepção. Posso ver como a concepção do Hermeto, que trata a música como uma força universal encontra simpatizantes nessas áreas. A diferença é que quase todos os teóricos da arte partem de um processo acadêmico, enquanto o Hermeto alcança e ultrapassa esses conceitos a partir de uma musicalidade intuitiva e verdadeiramente naïve.

 

FM A rigor, havia mesmo uma comunidade Hermeto, algo centrado em sua figura, em pleno esplendor de uma era que sob muitos aspectos foi devorada por sua despretensão.
 

JSN Bem, houve aquele tempo todo entre, 1981 e 1992, em que o Grupo do Hermeto foi se aprimorando de uma forma simbiótica. Eram 6 horas de ensaio por dia, 5 dias por semana. Isso criou uma disciplina espartana que moldou o talento de todos os músicos que participaram: eu, Itiberê Zwarg, Carlos Malta, Marcio Bahia, Pernambuco e Fabio Pascoal . Essa comunidade existia em torno da liderança do Hermeto, e os benefícios eram mútuos. Por um lado, nós, os músicos, tivemos a melhor escola do mundo para aprender a tocar, compor, arranjar e liderar. E o Hermeto tinha uma super-banda que dava a ele a possibilidade de imaginar o que quisesse, e nós tocaríamos os sonhos musicais dele. Não posso dizer exatamente por que essa era chegou ao fim, mas essa é a natureza dos processos orgânicos: nascimento, crescimento e transformação. Não cabe dizer “morte”, porque as mesmas forças continuam ativas no trabalho que nós, discípulos dessa escola, continuamos fazendo hoje em dia.

 

FM E te observo em outra entrevista a falar de certas composições como se houvesse toda uma trama cênica, o personagem que salta e toca a ele uma ação, o que me lembra não propriamente o casamento da música com o desenho animado ou o teatro, mas antes de sua compreensão como uma entidade espiritual, com vida própria, que sugere toda uma existência. É assim que o Jovino vê a música?

 

JSN Sem dúvida. Não se trata de dar um tratamento pseudo-visual a uma arte que é por natureza invisível, mas sim de entender que como a música é a forma de expressão mais sutil que existe, podemos incorporar aos seus processos outros ciclos, sejam eles estórias, sagas, sonhos, abstrações ou expressões mesmo visuais. Eu acabei de compor um xote que por algum motivo me lembra um jumento trotando bem contente. Aí chamei a música de “Donkey Xote”, que liga o burro (“donkey” em inglês) ao Rocinante do Don Quixote, e isso tudo cria em minha mente um enredo que se desenrola como um filme. O interessante é que, a cada execução, o filme é completamente diferente!

 

FM Quem, afinal, é o Jovino Santos Neto?

 

JSN Essa pergunta eu me faço todos os dias ao acordar. Eu sou a somatória de tudo o que rolou desde que eu nasci, mais tudo o que aprendi dos outros, mais todos os eventos de todos os tipos que aconteceram e que vão acontecer… e isso tudo é lenha pra fogueira da música.

 

FM Como observas o trabalho de outros músicos que estiveram contigo na formação inaugural da banda do Hermeto, como esta orquestra do Itiberê?

 

JSN A Itiberê Orquestra Família é maravilhosa, é justamente a prova de que tudo aquilo que o Hermeto nos mostrou é uma proposta válida. O trabalho do Itiberê com uma nova geração de músicos, bem como o meu trabalho aqui nas escolas onde eu ensino nos Estados Unidos, é a aplicação prática de uma nova concepção musical, levando a linguagem harmônica, rítmica e melódica aos seus extremos, sem nunca perder o sotaque regional de onde ela brotou. Hermeto continua sendo o ponto de referência desta escola, mas ela existe mesmo sem a presença física dele. É importante frisar que as várias formações do Grupo do Hermeto existiram desde os anos 60, e praticamente todos os grandes músicos do país passaram pela nossa escola.

 

FM Nos anos 60 a proximidade entre música popular e erudita era da ordem intuitiva ou da percepção despertada pelos agentes do êxtase, digamos. Muito do que se conheceu como rock progressivo tinha por base o passeio alucinógeno da época. O que foi determinante para ti, em tua formação, em termos de música clássica?

 

JSN Meu estudo de música clássica se resume a uns 6 meses de aulas particulares de piano quando eu tinha 12 anos. O resto foi de ouvido, gravando músicas que eu gostava do rádio e buscando tirar no piano. Foi apenas quando comecei a tocar com o Hermeto em 1977 que eu vim a aprender leitura musical, harmonia e ritmo. A minha geração teve a sorte de crescer numa época em que várias barreiras foram quebradas, inclusive as da percepção. Isso possibilitou essa aproximação a que você se refere. Os tempos são outros, há um recrudescimento das barreiras e das fronteiras, o que faz nosso trabalho ser ainda mais importante.

 

FM E como a tua música se relaciona hoje com o que se possa chamar de música erudita contemporânea? Isto envolve, segundo pensas, a música que se compõe para cinema e teatro, ou acaso integram outra categoria?

 

JSN São coisas diversas. Eu escrevo bastante para grupos de música de câmara. Há uma receptividade muito grande no meio musical erudito para a música que combina o virtuosismo técnico com harmonias requintadas e melodias inspiradas. Isso significa que a música brasileira, com todos esses quesitos muito bem representados, é ideal para esse nicho. Como falamos do Piazzola há pouco, ele é outro favorito desse meio musical. Sobre música para cinema, aqui nos Estados Unidos isso é um outro universo do qual eu não participo. Há muita gente escrevendo a mesma música, um abuso de clichês e muita ganância.

 

FM Temos alguns selos de música instrumental, porém de circulação muito restrita e em grande parte definida por uma barreira de mídia em relação ao tema. Tua larga experiência de Estados Unidos traça qual distinção entre os dois mercados no que diz respeito ao tema? A extinção dos selos, ou seu deslocamento para uma vertente mais perversa, seria um parâmetro para o entendimento deste assunto?

 

JSN Hoje eu vejo este movimento como um retorno ao artesanato musical. A era das grandes gravadoras, grandes estúdios e orçamentos gigantes para um projeto musical pertence ao passado, como os dinossauros. O próprio conceito do disco como uma coisa contínua se diluiu com os tocadores de MP3, onde geralmente se escuta um acervo de milhares de músicas aleatoriamente, quase uma volta à “jukebox” e ao compacto simples, lembra? Com a crescente inclusão digital, gravar um disco ficou mais accessível para muita gente. Isso tem um reverso também, pois tem muita gente que ainda não está preparada musicalmente para gravar lançando um CD atrás do outro. É sem dúvida um tempo de transição, que requer criatividade e flexibilidade dos músicos.

 

FM De que maneira acreditas que o mercado defina a formação de um músico no sentido de se orientar ou demarcar as opções estéticas?

 

JSN Essa é uma opção individual de cada músico. No meio musical, geralmente se chama “comercial” àquela música fabricada para consumo de massas. No entanto, essa palavra denota simplesmente aquilo que pode ser comercializado. Ora, se um quadro do Salvador Dalí é vendido num leilão, isso significa que sua arte é “comercial”? Eu, como muitos outros músicos, gostaria que as pessoas comprassem meus discos e me chamassem para tocar. Isso não significa que eu vou começar a tocar uma música pobre em termos harmônicos e rítmicos, como muito do que se ouve nos rádios e TVs do mundo. Nesse ponto o Hermeto teve uma influência enorme na nossa forma de conceber a interseção entre nossa arte e a sobrevivência. Me orgulho de dizer que vivo exclusivamente da música desde que me tornei profissional em 1977. Seja compondo, tocando, arranjando, ensinando ou dando palestras, todas as minhas atividades são coerentes com os preceitos básicos que aprendemos do nosso mestre. Não são compartimentos estanques (tocar por grana, tocar por prazer etc.…) mas um só universo em que todas as facetas se inter-relacionam.

 

 

 

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La música libre de Jovino Santos Neto

Floriano Martins

 

 

El pianista Jovino Santos Neto (Brasil, 1954) tuvo la gracia de integrar el grupo de Hermeto Pascoal por 15 años ininterrumpidos, lo que incluye la grabación de ocho discos. No hay mejor escuela posible, no solamente por los conocimientos adquiridos sino esencialmente por este sentido máximo de entrega a la música y a la creación que caracteriza la obra de Hermeto y naturalmente la de todos los músicos que estuvieron a su lado y que hoy tienen discos grabados, a ejemplo de Carlos Malta e Itiberê Zwarg. Jovino vive en Seattle (EUA), desde 1993, allí creando una editora de música, la Real Angle Music, y conviviendo con músicos de varias partes del mundo. Viene cuidando actualmente de editar sus propias músicas, además de haber publicado una colección de 32 partituras de Hermeto Pascoal, de varias épocas;

 

FM Tu formación musical, ¿refleja un ambiente informal brasilero o tiene alguna particularidad a ser destacada? Pienso, por ejemplo, en tu aproximación casual del piano, a rigor comprado por tus padres para tu hermana. ¿Es este el punto inicial, no?

 

JSN Este es el punto inicial del toqué físico en un instrumento, pero musicalmente yo me venía formando a partir de todo lo que componía el universo sonoro de mi infancia: marchas de carnaval, canciones en la radio, Altamiro Carrilho, Jackson do Pandeiro y Tia Amélia en la TV, toques de umbanda en la casa vecina etc… En este punto creo que esa formación no es muy diferente de las otras personas de mi generación (1954) y de mi región (Zona Oeste de Río).

 

FM En una entrevista mencionas, entre las influencias, Jackson do Pandeiro y King Crimson, lo que es curioso, sobretodo por la ausencia del piano como base en los dos ejemplos. ¿Qué te llamaba la atención particularmente en estos dos casos?

 

JSN En el caso de Jackson, un buen humor al mismo tiempo malicioso e inocente, acoplado a un sentido rítmico feroz. En King Crimson, una acidez mordaz y la capacidad de ir de lo sublime a lo infernal sin barreras. El hecho de no haber piano en esas grabaciones ni pasó por mi cabeza…

 

FM Yo observo el inmenso cariño que tienes por Hermeto Pascoal, la manera como hablas de que su genio un día será reconocido, y que la dimensión de esta genialidad requiere también cierto tiempo para su percepción. Yo pienso en un ejemplo aquí vecino de los brasileros, que es Pablo Ziegler, que fue pianista del grupo de Astor Piazzolla. Imagino que el cariño que Pablo tiene por Astor sea de la misma intensidad afectiva que tienes por Hermeto. Con todo, Astor contó, en vida, con un reconocimiento internacional y también argentino un poco distinto con el que cuenta Hermeto, pensemos en crítica o público. Y Argentina al menos tiene una misma tradición musical de proyección internacional como Brasil. ¿Cómo observas este tema?

 

JSN Ese es un asunto muy interesante, y yo siempre pienso mucho al respecto. Una cosa que es siempre difícil de hacer es comparar 2 carreras musicales tan diversas como Piazzolla y Hermeto. Una diferencia marcante es que Piazzolla fue un músico genial partiendo de un estudio musical académico como alumno de composición de Nadia Boulanger en París, retornó a Argentina y creó un ropaje moderno para el tango, un estilo que ya era muy popular en todo el mundo. De ahí él amplió su abanico de colores, escribiendo piezas que hoy son tocadas por grupos de música de cámara etc…Ya Hermeto, totalmente autodidacta, albino y deficiente visual, salió de una pequeña villa en el interior de Alagoas y fue construyendo su universo a partir de empleos en regiones, tocando todo desde forró hasta jazz, samba, bossa nova, MPB. Si examinas todos los movimientos musicales de Brasil a partir de los años 50 – Beco das Garrafas en Río, Bossa Nova, Samba Jazz, los festivales de MPB, Hermeto está presente en todos ellos, no como un coadyuvante, sino como una fuente de ideas e inspiración para todos nosotros. Esa fuente de creatividad musical se expandió a partir de los años 70 cuando él fue para los Estados Unidos e influenció toda una generación de gigantes del jazz, desde Miles Davis a Chick Corea, Gil Evans y Herbie Hancock. Para quien no conoce ese lado de Hermeto, esa afirmación parece pretenciosa, pero puedo garantizar que es verdad. Resumiendo, yo creo que la falta de reconocimiento al legado musical de Hermeto se debe justamente al hecho de que es imposible encuadrarlo dentro de un estilo, o lugarcito comercial. Su obra es tan vasta que, como una montaña muy alta, precisa de cierto distanciamiento para ser totalmente apreciada. Como tú mencionas en la pregunta, eso lleva tiempo.

 

FM ¿Qué te dice la música en términos de fortalecimiento existencial? No me refiero a la convivencia habitual con el universo de la música, tu agenda de shows, grabaciones, composición.

 

JSN A partir del momento en que el músico serio y dedicado se da cuenta de la naturaleza y de la esencia de la música, eso pasa a orientar su vida así como las otras fuerzas del universo – tiempo, gravedad, luz, espacio, karma. La música no es una carrera, ni un empleo. Tampoco es un producto, un placer o una comodidad. Es un proceso contínuo que sujeta las galaxias en sus ejes, que dice cual es el ritmo de los planetas, que controla las reacciones químicas de las enzimas y la evolución de la vida. Todo eso puede ser definido en función de ritmos, armonías y sincronicidades. Qué es eso, sino música? Cuanto más buscamos entender el cosmos, sea a través de la contemplación mística o de la física cuántica, más cerca llegamos de conceptos a los cuales grandes músicos ya llegaron hace mucho tiempo.

 

FM En algunos viajes por América Hispánica, yo he observado la intimidad con que músicos locales hablan de música brasilera. No me refiero a la canción, porque en general ellos son muy desinformados en relación al empobrecimiento actual de la canción brasilera, o mejor, tienen de ella una información cristalizada, casi mítica, de su importancia en un momento dado, que es más de la orden sociológica de lo que estética. Al contrario, no conocemos casi nada de la música hispano-americana, excepto el folclore acentuado por un Caetano Veloso como siendo una respuesta a este principio de cristalización, digamos [su incursión en el escenario de la canción popular internacional concurre con el catálogo del sello Putumayo]. Sin embargo hay músicos oriundos de Cuba, Argentina, México, Panamá, con su valor y presencia en un escenario internacional. Oímos la peor música de Estados Unidos – la mejor es casi siempre una incógnita para nosotros – y desconocemos los países vecinos. ¿Tienes algún comentario al respecto?

 

JSN Tengo muchos amigos músicos que son cubanos, venezolanos, argentinos, colombianos, puertoriqueños, etc. Hay un sentido de afinidad muy grande entre estas culturas musicales, en parte debido a la lengua española que las une. Existe un debate muy acalorado por aquí (EUA) sobre música latina. Hay los que dicen que la música brasilera debe ser vista como una vertiente separada, y otros que la ven como uno de los afluentes del gran río Latino. Yo no tengo una posición firme al respecto, pues consigo percibir los dos puntos y ver lo que ellos tienen de cierto y de errado. A mi ver, lo que es necesario es que todos los músicos, brasileros o no, consigan encarar la música desde un punto de vista (o de escucha) supra-nacional, o sea, por encima de las fronteras que ni siempre representan la diversidad y la riqueza de las formas musicales.

 

FM ¿De qué manera la idea de “música libre” de Hermeto podría ser entendida como una relación aproximada de lo que André Breton defendía, en términos de Surrealismo, como un “libre pensamiento integral”? En una conversación que tuve con uno de los integrantes del Grupo Surrealista de Chicago, hablamos de la proximidad de músicos como Hermeto y Frank Zappa del Surrealismo, una relación insólita del punto de vista de los orígenes franceses del movimiento, porque eran musicalmente sordos. Hay muchos casos en que la prensa se refiere a una “filosofía Hermeto”. ¿Qué piensas a este respecto?

 

JSN Breton y los surrealistas predicaban un enfoque libre de las restricciones de la percepción. Puedo ver como la concepción de Hermeto, que trata la música como una fuerza universal encuentra simpatizantes en esas áreas. La diferencia es que casi todos los teóricos del arte parten de un proceso académico, cuando Hermeto alcanza y ultrapasa esos conceptos a partir de una musicalidad intuitiva y verdaderamente naïve.

 

FM A rigor, había también una comunidad Hermeto, algo centrado en su figura, en pleno esplendor de una era que bajo muchos aspectos fue devorada por su modestia.

 

JSN Bien, hubo todo aquel tiempo entre, 1981 y 1992, en que el Grupo de Hermeto se fue perfeccionando de una forma simbiótica. Eran 6 horas de ensayo por día, 5 veces por semana. Eso creó una disciplina espartana que moldeó el talento de todos los músicos que participaron: yo, Itiberê Zwarg, Carlos Malta, Marcio Bahia, Pernambuco e Fabio Pascoal . Esa comunidad existía en torno del liderazgo de Hermeto, y los beneficios eran mútuos. Por un lado, nosotros, los músicos, tuvimos la mejor escuela del mundo para aprender a tocar, componer, hacer arreglos y liderar. Y Hermeto tenía una super-banda que daba a él la posibilidad de imaginar lo que quisiese, y nosotros tocaríamos los sueños musicales de él. No puedo decir exactamente por qué esa era llegó a su fin, mas esa es la naturaleza de los procesos orgánicos: nacimiento, crecimiento y transformación. No cabe decir “muerte”, porque las mismas fuerzas continúan activas en el trabajo que nosotros, discípulos de esa escuela, seguimos haciendo hoy en día.

 

FM Y te observo en otra entrevista hablando de ciertas composiciones como si hubiese toda una trama escénica, el personaje que salta y le toca una acción, lo que me recuerda no propiamente el casamiento de la música con el dibujo animado o el teatro, sino antes de su comprensión como una entidad espiritual, con vida propia, que sugiere toda una existencia. ¿Es así que Jovino ve la música?

 

JSN Sin duda. No se trata de dar un tratamiento seudo-visual a un arte que es por naturaleza invisible, mas sí de entender que como la música es la forma de expresión más sutil que existe, podemos incorporar a sus procesos otros ciclos, sean narraciones, sagas, sueños, abstracciones o expresiones también visuales. Yo acabé de componer un xote que por algún motivo me recuerda un burro trotando bien contento. Ahí llamé a la música Donkey Xote, que mezcla el burro (“donkey” en inglés) al Rocinante de Don Quijote, y eso crea en mi mente un enredo que se desenrolla como una película. Lo interesante es que, cada ejecución, la película es completamente diferente!

 

FM ¿Quién, al final, es Jovino Santos Neto?

 

JSN Esa pregunta me la hago todos los días al despertar. Yo soy la sumatoria de todo lo que pasó desde que nací, más todo lo que aprendí de los otros, más todos los eventos de todos los tipos que sucedieron y que van a suceder…y eso todo es leña para la hoguera de la música.

 

FM ¿Cómo observas el trabajo de otros músicos que estuvieron contigo en la formación inaugural de la banda de Hermeto, como esta orquesta de Itiberê?

 

JSN La Itiberê Orquestra Familia es maravillosa, es justamente la prueba de que todo aquello que Hermeto nos mostró es una propuesta válida. El trabajo de Itiberê con una nueva generación de músicos, tanto como mi trabajo aquí en las escuelas donde enseño en Estados Unidos, es la aplicación práctica de una nueva concepción musical, llevando el lenguaje armónico, rítmico y melódico a sus extremos, sin nunca perder el acento regional de donde brotó. Hermeto continúa siendo el punto de referencia de esta escuela, mas ella existe también sin la presencia física de él. Es importante resaltar que las varias formaciones del Grupo de Hermeto existían desde los años 60, y practicamente todos los grandes músicos del país pasaron por nuestra escuela.

 

FM En los años 60 la proximidad entre música popular y erudita era de origen intuitivo o de la percepción despierta por los agentes del éxtasis, digamos. Mucho de lo que se conoció como rock progresivo tenía por base el paseo alucinógeno de la época. ¿Qué fue determinante para ti, en tu formación, en términos de música clásica?

 

JSN Mi estudio de música se resume a unos 6 meses de clases particulares de piano cuando yo tenía 12 años. El resto fue de oído, grabando músicas que me gustaban de la radio y buscando sacar en el piano. Fue apenas cuando comencé a tocar con Herberto en 1977 que vine a aprender lectura musical, armonía y ritmo. Mi generación tuvo la suerte de crecer en una época en que varias barreras fueron quebradas, inclusive las de la percepción. Eso posibilitó esa aproximación a la que te refieres. Los tiempos son otros, hay un recrudecimiento de las barreras y de las fronteras, lo que hace nuestro trabajo ser aun más importante.

 

FM ¿Y cómo tu música se relaciona hoy con lo que se pueda llamar música erudita contemporánea? Esto envuelve, según piensas, a la música que se compone para cinema y teatro, o acaso integran otra categoría?

 

JSN Son cosas diversas. Yo escribo bastante para grupos de música de cámara. Hay una receptividad muy grande en el medio musical erudito para la música que combina el virtuosismo técnico con armonías sublimadas y melodías inspiradas. Eso significa que la música brasilera, con todos esos requisitos muy bien representados, es ideal para ese nicho. Como hablamos de Piazzolla hace poco, él es otro favorito de ese medio musical. Sobre música para cine, aquí en Estados Unidos eso es otro universo del cual yo no participo. Hay mucha gente escribiendo la misma música, un abuso de clichés y mucha ganancia.

 

FM Tenemos algunos sellos de música instrumental, sin embargo de circulación muy restringida y en gran parte definida por una barrera de media en relación al tema. Tu larga experiencia de Estados Unidos, ¿cuál distinción traza entre los dos mercados en lo que se dice respecto al tema? La extinción de los sellos, o su dislocamiento hacia una vertiente más perversa, ¿sería un parámetro para el entendimiento de este asunto?

 

JSN Hoy yo veo este movimiento como un retorno a la artesanía musical. La era de las grandes grabadoras, grandes estudios y cálculos gigantes para un proyecto musical pertenece al pasado, como los dinosaurios. El propio concepto del disco como una cosa continua se diluyó con los aparatos de MP3, donde generalmente se escucha un acervo de millares de músicas aleatoriamente, casi una vuelta al “jukebox” y al compacto simple, recuerdas? Con la creciente inclusión digital, grabar un disco quedó más accesible a mucha gente. Eso tiene un reverso también, pues hay mucha gente que aun no está preparada musicalmente para grabar lanzando un CD detrás de otro. Es sin duda un tiempo de transición, que requiere creatividad y flexibilidad de los músicos.

 

FM ¿De qué manera crees que el mercado defina la formación de un músico en el sentido de orientar o demarcar las opciones estéticas?

 

JSN Esa es una opción individual de cada músico. En el medio musical, generalmente se llama “comercial” aquella música fabricada para el consumo de masas. Entre tanto, esa palabra denota simplemente aquello que puede ser comercializado. Ahora, si un cuadro de Salvador Dalí es vendido en una subasta, eso significa que su arte es “comercial”? Yo, como muchos otros músicos, gustaría que las personas comprasen mis discos y me llamasen para tocar. Eso no significa que voy a comenzar a tocar una música pobre en términos armónicos y rítmicos, como mucho de los que se oye en las radios y TVs del mundo. En ese punto Hermeto tuvo una influencia enorme en nuestra formación de concebir la intersección entre nuestro arte y la sobrevivencia. Me enorgullezco de decir que vivo exclusivamente de la música desde que me hice profesional en 1977. Sea componiendo, tocando, arreglando, enseñando o dando conferencias, todas mis actividades son coherentes con los preceptos básicos que aprendemos de nuestro maestro. No son compartimientos separados (tocar por dinero, por placer etc…) sino un solo universo en que todas las facetas se interrelacionan.

 

 

Floriano Martins

 

Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensayista, traductor. Uno de los editores de la Revista TriploV de Artes, Religiones y Ciencias (Portugal), y coordinador general del proyecto Banda Hispánica (Brasil). Contacto: floriano.agulha@gmail.com. Traducción de Gladis Mendía.